sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Espiritismo e filosofia alemã.

Nos dias atuais é de impressionar o quão pouco se sabe sobre o papel dos filósofos alemães no desenvolvimento do Espiritismo. Certo é afirmar que, do ponto de vista cultural, a Alemanha é o único país a contribuir para a formação do Romantismo e do Idealismo, correntes de pensamento essenciais ao desenvolvimento do Espiritismo na Europa.
Não quero falar tanto de como surgiram o Romantismo e o Idealismo, remeto o leitor ao meu artigo “O descobrimento da Alemanha por Madame de Stael. Basta dizer que, exceto por Rousseau, a França não teve colaboração nas fases iniciais destes grandes movimentos, e por mais que a França e a Grã-Bretanha tenham importância fundamental no progresso científico da Era Moderna, suas bases filosóficas jamais permitiriam aflorar uma filosofia como a do Espiritismo. Infelizmente, como comentei nos textos anteriores deste blog, a consciência histórica do Espiritismo tende a se limitar muito a história da Roma antiga e da França moderna.
Para desfazer este mal entendido é preciso remontar a Europa do século XVII, quando o racionalismo se estabelecia. Todos conhecem bem a importância de Descartes, dos empiristas ingleses e dos cientistas como Galileu, Copérnico e Kepler. O que nem sempre é igualmente conhecido, foi o surto de misticismo e piedade religiosa ocorridos na Alemanha neste período. Enquanto as outras nações civilizadas da Europa entravam na Era Moderna pelo caminho da ciência, com uma filosofia mecanicista para a natureza, separada do espírito, compondo o famoso dualismo cartesiano, a Alemanha formulava uma visão mais mística, embasada nas tradições do platonismo e do hermetismo egípcio, onde a natureza e o espírito eram a mesma coisa.
Embora o mundo latino também tivesse os seus expoentes místicos no mesmo período, como Giordano Bruno, este tipo de filosofia só era adotado com muitas ressalvas e restrições, enquanto na Alemanha, a reação à ortodoxia luterana provocou uma adesão mais geral ao surto espiritualista. Ocorre que o cânone luterano original fazia a salvação da alma depender exclusivamente da fé. Isso fez nascer nos países luteranos uma geração inteira de crentes formais, que se justificavam apenas pela sua adesão de fé a Bíblia, mas que não possuíam uma vida cristã. A degeneração social chegou a um ponto intolerável para as almas mais piedosas, que fizeram um movimento de restauração da piedade cristã. Este movimento conhecido como Pietismo, visava restabelecer em mundo protestante a pureza da mensagem sentimental e mística de Jesus. Seus adeptos evitavam a igreja, cujo culto consideravam meramente social, e faziam encontros caseiros onde a Bíblia era lida de maneira mística e emotiva. Cada crente visualizava as passagens do Evangelho como se estivesse presente nas cenas narradas, e vivenciava efetivamente as curas, as repreensões morais e as exortações à virtude feitas pelo Cristo. Com isto o crente sentia-se em uma comunhão profunda com o Messias e com Deus.
Filósofos iluministas como Wolff e Kant, que costumam ter má fama entre os espiritualistas, eram pietistas convictos, e aderiam a estas práticas. Eles também contribuíram para dar uma linguagem mais universal ao pietismo, evocando uma moral pessoal, vinda exclusivamente da consciência, independente de mandamentos externos. Também entre os pietistas existiam inúmeros indivíduos conhecidos por imensas obras de caridade. August Hermann Francke, por exemplo, criou uma cidade inteira voltada para a educação. Retirou crianças das ruas e da criminalidade, oferecendo-lhes lares e ensinando-lhes profissões simples. Em sua escola estudavam conjuntamente os filhos dos ricos e estes órfãos recolhidos das ruas.
O ensino ia do pré-escolar até a pós-graduação em teologia, e era tal a sua excelência que pessoas vinham de longe para estudar na escola e faculdade criada para aqueles ex-desabrigados. Por volta de 1700, Francke também instituiu revolucionariamente a educação para meninas em todos estes níveis, com o mesmo conteúdo que a dos meninos. Isto foi feito mais de cem anos antes da formação das escolas públicas na França.
Os pietistas se caracterizavam por uma religião privada e muito fervorosa, mas com grande liberdade e juízo crítico. Sem respeitarem hierarquias e dando pouca distinção aos pastores, privilegiando o culto caseiro, eles ajudaram a reformar a Alemanha com suas tradições conservadoras da mesma forma que os céticos e livre-pensadores faziam nas demais nações da Europa. A Alemanha pulou a fase atéia e sensualista que caracteriza a França e a Inglaterra do século XVII, entrando na Era Moderna através de uma reforma libertária de cunho fortemente espiritualista.  
O que distinguia os pietistas em dois grupos era a concepção da natureza. Uns a consideravam essencialmente material e mecânica, como Kant, outros essencialmente divinizada e vivente, como Böhme, Herder e Goethe. Todos, entretanto, eram reencarnacionistas.
A ideia de reencarnação na Alemanha não surgiu com Leibniz em 1714, conforme se pensa e divulga muito. Leibniz cogitou da ideia de palingenesia, mas considerava-a estranha ao cristianismo. Sua filosofia das mônadas pressupõe sim uma evolução do princípio espiritual, mas esta só ocorreria durante a vida na Terra e depois continuaria no mundo espiritual. Não haveria retorno a Terra. Foi Christian Wolff quem introduziu o conceito de reencarnação em 1730, usando exatamente o argumento da mônada de Leibniz. Com o seu conceito de metempsicose racional, Wolff reformulou a tradição Greco-egípcia sobre reencarnação acrescentando que as mônadas espirituais de Leibniz não esgotavam todas as experiências na Terra em uma única vida. A Terra ofereceria uma quantidade tão variada de vivências e experiências que a alma poderia tirar muito proveito de um retorno constante a este mundo, sem repetir os caminhos já trilhados.
Christian Wolff teve impacto imediato sobre a filosofia alemã em todos os aspectos e a reencarnação não foi o último deles. Lessing tornar-se-ia o primeiro e mais vigoroso defensor desta ideia. Estabelecendo os princípios da teologia racional protestante. Entre outras reformas no sistema teológico, Lessing adotou a ideia de reencarnação e a de que Jesus Cristo não seria o filho único de Deus e sim o revelador de que todos somos um com o Pai. Ele não queria com isso uma redução da figura divina do Cristo, mas lembrar que a mensagem do Evangelho é a de divindade universal de todos e todas as coisas. Só existem seres divinos, e os conflitos, o mal e o sofrimento só existem enquanto esta herança não é posta em ação. 
Foi Lessing quem popularizou o conceito de palingenesia na Alemanha.
Outro seguidor de Wolff foi Kant, que estabeleceu em sua “teoria do céu” a doutrina dos corpos sutis. A alma teria, para ele, um corpo intermediário entre a natureza física e a espiritual. Este corpo sobreviveria depois da morte do corpo físico, conservando a memória, a sensibilidade e as características pessoais. Com isto, acreditava Kant, estaria explicada a transmigração da alma pelos corpos com a conservação da personalidade. Ele também insistia que a evolução do espírito em razão e moralidade tornaria este corpo espiritual mais puro, de modo que a vida na Terra seria progressivamente mais difícil para estas almas, e elas deveriam subir a mundos igualmente mais puros. Nestes outros mundos, a alma teria corpos leves, podendo voar e transmitir o pensamento sem impedimentos da nossa esfera material. Mais tarde, entretanto, Kant chegaria à conclusão de que estas ideias não poderiam compor uma filosofia propriamente dita, pois esta especulação era impossível de ser comprovada com a experiência disponível, mas jamais renegou suas disposições em matéria de convicção pessoal.
Neste período, entre 1770-1780, tornou-se moda na Alemanha a leitura de Rousseau, o grande filósofo místico da latinidade, traduzido em termos claros e populares da linguagem iluminista. Rousseau iria influenciar sobremaneira a Herder e Goethe, que colheram nele a sua filosofia do sentimento, juntando-a com a idéia alemã de reencarnação. Herder teve papel crucial na formação da doutrina da história, e dentro dela inseriu seu conceito de reencarnação. Ele vislumbrava a marcha das civilizações como a ascensão do espírito ao longo de suas labutas no processo evolutivo para a perfeição divina. Assim, os progressos intelectuais e morais das distintas eras da história, seriam ocultamente influenciados pelos progressos das nossas almas em constante aprendizado, que reencarnando de uma para outra civilização, produziriam o progresso que aos olhos humanos se dá por meios meramente sociais.
Goethe, por sua vez, criou a primeira doutrina consistente de metamorfose e evolução biológica, mais de cinqüenta anos antes de Darwin, em fins do século XVIII. Ele inferiu que o princípio vital dos seres organizaria e dirigiria a metamorfose do embrião ao indivíduo adulto, da semente à planta, e poderia propiciar metamorfoses de um animal em outro, por evolução. Estas metamorfoses Goethe atribuiu, em parte, ao processo de reencarnação, que transmitiria as forças das mônadas espirituais de um organismo para outro. Se o organismo receptor não pudesse mais conter a força da mônada desenvolvida, ele deveria adaptar-se com uma metamorfose, e esta seria a causa da evolução das espécies.
Não poderíamos terminar sem citar Heinrich von Schubert, médico e biólogo inspirado por Mesmer, Goethe e Herder. Por volta do começo do século XIX, Schubert realizou pesquisas diversas tentando cruzar a teoria do magnetismo animal de Mesmer com as teorias reencarnacionistas alemãs. Lembramos que Mesmer era ateu e materialista, e acreditava que o magnetismo animal era um fenômeno material ordinário. Schubert defendeu então em suas pesquisas que o sono seria o desprendimento do espírito do corpo, propiciando os fenômenos de magnetismo divulgados por Mesmer. O uso destes fenômenos em estado de vigília não contradiz esta teoria, pois o desprendimento do sono seria possível, segundo ele, através de um transe ou estado profundo de concentração. Além desta ligação entre o sono e o magnetismo, Schubert também fez pela primeira vez a análise dos sonhos com base numa teoria espiritualista racionalizada. O sonho seria a recapitulação simbólica das experiências do espírito enquanto desprendido do corpo. A mesma idéia seria defendida por Kardec quarenta anos depois.
É desnecessário prosseguir com a lista de nomes. O fato é que existe uma ampla documentação desta passagem histórica do conceito de reencarnação via Romantismo da Alemanha para a França, por volta de 1805-1820. Enquanto este momento histórico não for competentemente anexado às obras de história do Espiritismo, estes importantes autores permanecerão injustiçados. 

22 comentários:

  1. muito boa e interessante exposição. O autor poderia anexar referenciais bibliográficos para uma posterior consulta dos leitores...
    grato pelo texto

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  2. Tem razao amigo. O problema é que como estudo espiritualismo alemao há tempos, acabei fazendo uma exposicao a partir do que sei em geral. De qualquer modo um bom comeco é ler os livros de Carl du Prel e Zöllner em portugues, ou buscar os especialistas atuais em Espiritismo na Alemanha.
    Sao eles:
    SAWICKI, D. Leben mit den Toten. Geisterglauben und die Entstehung des Spiritismus in Deutschland 1770-1900. Padernborn: Schöningh, 2002.

    ZANDER, Helmut. Geschichte der Seelenwanderung in Europa. Darmstadt: Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 1999.

    O primeiro dá o contexto geral da história do Espiritismo na Alemanha, enquanto o segundo enfoca a reencarnacao ao longo da história da cultura européia. Ambos recentes e muito completos.

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  3. Caro Humberto, foi um prazer enorme encontrá-lo! Meu nome é Andrea Botelho, coordeno as atividades de um grupo espírita em Berlim. Um dos nossos principais fotos é o levantamento histórico do espiritismo na Alemanha, tracando paralelos com o espiritismo de Kardec. Estarei no Brasil em agosto, onde farei uma palestra em BH sobre o assunto: Espiritismo na Alemanha: histórico e desafios. Estarei em Sao Paulo também. Adoraria poder conhecê-lo. Estamos querendo viabilizar um insitituto de pesquisas sobre o tema em Berlim. O nosso site ainda nao está fornecendo info sobre o assunto; todavia dê uma olhada: www.zvs-berlin.de. Um dos principais mentores é o próprio Zöllner. Acabamos de adquirir toda a obra de DuPrel entre outros...
    Abracos
    Andrea

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  4. Amigo Humberto, estes livros citados em alemão já tem em portugues? A referencia dos livros Carl du Prel e Zollner poderia fornecer, por favor, se possível, em portugues.

    Grande abraço
    Mauricio
    Espiritualidade e Sociedade

    Carl du Prel e Zöllner em portugues, ou buscar os especialistas atuais em Espiritismo na Alemanha.

    Sao eles:
    SAWICKI, D. Leben mit den Toten. Geisterglauben und die Entstehung des Spiritismus in Deutschland 1770-1900. Padernborn: Schöningh, 2002.

    ZANDER, Helmut. Geschichte der Seelenwanderung in Europa. Darmstadt: Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 1999.

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  5. Maurício,
    do barão du Prel temos "Do outro lado da vida", que acabei de encontrar até em e-book.Não tenho conhecimento de outras obras.
    De Zöllner parece haver também só uma, "Provas científicas da sobrevivência"
    e possível que muitas outras obras estejam disponíveis em inglês, se esta for uma opção. Do contrário convido-os a se juntarem a mim numa requisição de traduções junto a FEB.
    abração.

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    1. Seu artigo é muito interessante, mas, infelizmente, acho-o sem nenhuma validade, enquanto você não citar a bibliografia referente as teorias defendidas, "supostamente", por este ou aquele autor.
      Caso contrário, são afirmações gratuitas, que, parece, invocam grandes nomes do pensamento ocidental para se justificar. Seria muito oportuno, ou melhor, extremamente eficaz para a investigação, poder verificar nas obras corretamente citadas todas as afirmações que você expõem.
      Grato pela atenção.

      Rafael Meneses

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    2. Boa noite amigo.

      Se passou muito tempo desde sua pergunta ao blogueiro. Mas vou tentar contribuir. Antes tarde do que nunca.
      Um livro que Kannt descreve essa teoria do céu é "Sonhos da Metafísica por um visionário". É um livro anterior ao Crítica da Simples Razão.

      Todo o conceito do Imperativo Categorico do Kannt vem desse conceito do mundo dos espíritos.

      Ao ler esse livro eu cheguei a achar que o Kardec tivesse plagiado Kannt, já que o Livro dos Espíritos foi escrito cerca de cem anos após o falecimento do Kannt.

      Dá para pegar páginas desse livro e incluir na literatura de Kardec.

      Das duas uma: ou Kardec plagiou Kannt ou esse mundo espiritual é de verdade e Kannt foi um médium dessa mensagem.

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  6. Saudações Rafael,
    Realmente só algumas das referências estão no corpo do texto ou nas mensagens acima. Há um artigo meu sobre Madame de Stäel, com um link no começo deste post. Lá ela cataloga com bastante precisão estas referências. "Teoria do Céu" de Kant também foi citado, e Lessing, Herder e Goethe são universalmente conhecidos como reencarnacionistas. Do primeiro leia "Educação do gênero humano",texto pequeno com referências bem claras nos últimos tópicos. Em Herder as referências são picadas, principalmente em cartas, mas elas são bem expostas nos manuais que indiquei em resposta ao Maurício: Sawiki e Zander. Para Goethe valem além destes catálogos a conversação com Eckermann, disponível em português, poemas e o discurso fúnebre a Winkelmann. Na verdade tudo isso é bastante documentado já pela pesquisa de reencarnação na Alemanha, não constituindo uma suposição assim tão inovadora. Espero que isso ajude.
    Abração e obrigado pela lembrança.

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    1. Muito obrigado. Não atentei para esses por menores, desculpe.
      Muito obrigado mesmo!
      Até mais e abraço forte.

      Rafael Meneses

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  7. Caro Humberto,

    Voce teria esse texto traduzido em alemao?
    Abracos,
    Marta

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  8. Amigo,não sou um pesquisador do seu calibre,mas,procuro ler sempre as obras fundamentais da doutrina espirita,e,garanto q fiquei muito feliz,por me fazer conhecer q,pessoas brilhantes da história da humanidade,estavam tão empenhados p/ o melhoramento moral dos seus semelhantes,realmente eles merecem se fazer conhecido,pelo seus trabalhos,principalmente no Brasil.Olha,pq vc não reproduz seu artigo nesse site http://www.redeamigoespirita.com.br/ ,esse é o maior site espírita do Brasil ou se não quiser,peço a sua autorização para reproduzi-lo no referido site.Estarei aguardando uma resposta.Abrçs.-Parabéns.

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    1. Obrigado pela dica Armando. Você ou qualquer pessoa pode reproduzir qualquer texto deste blog. Peço apenas não deixar de referir a origem. Abração.

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    2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  9. Amigo,compartilhei o seu artigo http://www.redeamigoespirita.com.br/forum/topics/espiritismo-e-filosofia-alem ,grato por permitir q o publicasse.

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  10. Amigo,sobre o tema abordado com bastante riqueza,tbm,envio um trecho da revista espirita,março de 1868,p.111:Maria da Rússia - Correspondência Inédita de Lavater.Espero que possa enriquecer,ainda mais,o seu artigo.Por isso peço,que leia a revista na íntegra.Segue abaixo um trecho retirado da revista:(seguirá a continuação na publicação posterior)

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  11. PRIMEIRA CARTA

    Sobre o Estado da Alma Após a Morte

    Idéias Gerais

    Mui venerada Maria da Rússia!

    Dignai-vos conceder-me permissão para não vos dar o título de majestade, que vos é devido da parte do mundo, mas que não se harmoniza com a santidade do assunto que desejastes que eu vos entretivesse, e a fim de vos poder escrever com franqueza e inteira liberdade.

    Desejais conhecer algumas das minhas idéias sobre o estado das almas após a morte.

    A despeito do pouco que é dado saber sobre isto ao mais douto entre nós, já que nenhum dos que partiram para o país desconhecido de lá voltou, o homem pensante, o discípulo dAquele que do céu desceu entre nós, está, no entanto, em condições de dizer, sobre isto, tanto quando nos é necessário saber para nos encorajar, nos tranqüilizar e nos fazer refletir.

    Desta vez limitar-me-ei a vos expor, a respeito, algumas das idéias mais gerais.

    Penso que deve existir uma grande diferença entre o estado, a maneira de pensar e de sentir de uma alma separada de seu corpo material, e o estado no qual se encontrava durante sua união com este último. Essa diferença deve ser, no mínimo, tão grande quanto a que existe entre o estado de um recém-nascido e o de uma criança vivendo no seio materno.

    Estamos ligados à matéria, e são os nossos sentidos e os nossos órgãos que dão à nossa alma as percepções e o entendimento.

    Conforme a diferença que exista entre a construção do telescópio, do microscópio e dos óculos, de que se servem os nossos olhos para ver, os objetos que olhamos por seu intermédio nos aparecem sob uma forma diferente. Nossos sentidos são os telescópios, os microscópios e os óculos necessários à nossa vida
    atual, que é uma vida material....

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  12. ...Creio que o mundo visível deve desaparecer para a alma separada de seu corpo, assim como lhe escapa durante o sono. Ou então o mundo, que a alma entrevia durante sua existência corporal, deve aparecer à alma desmaterializada sob um aspecto completamente diverso.

    Se, durante algum tempo, ela pudesse ficar sem corpo, o mundo material não existiria para ela. Mas se ela for, logo depois de haver deixado o seu corpo – o que acho muito verossímil – provida de um corpo espiritual, que teria retirado do seu corpo material, o novo corpo lhe dará indispensavelmente uma percepção muito diferente das coisas. Se, o que facilmente pode acontecer às almas impuras, esse corpo ficasse, durante algum tempo, imperfeito e pouco desenvolvido, todo o Universo apareceria à alma num estado de perturbação, como se fosse visto através de um vidro fosco....

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  13. ...Mas se o corpo espiritual, o condutor e o intermediário de suas novas impressões, fosse ou se tornasse mais desenvolvido ou mais bem organizado, o mundo da alma lhe pareceria, conforme a natureza e as qualidades de sua harmonia e de sua perfeição, mais regular e mais belo.

    Os órgãos se simplificam, adquirem harmonia entre si e são mais apropriados à natureza, ao caráter, às necessidades e às forças da alma, conforme ela se concentre, se enriqueça e se depure aqui na Terra, perseguindo um só objetivo e agindo num sentido determinado. Existindo na Terra, a alma aperfeiçoa, ela mesma, as qualidades do corpo espiritual, do veículo no qual continuará a existir após a morte de seu corpo material, e que lhe servirá de órgão para conceber, sentir e agir em sua nova existência. Esse novo corpo, apropriado à sua natureza íntima, a tornará pura, amante, vivaz e apta a mil belas sensações, impressões, contemplações, ações e gozos.

    Tudo o que se pode, e tudo o que ainda não podemos dizer sobre o estado da alma após a morte, sempre se baseará neste único axioma, permanente e geral: O homem recolhe o que semeou.

    É difícil encontrar um princípio mais simples, mais claro, mais abundante e mais próprio a ser aplicado a todos os casos possíveis.

    Existe uma lei geral da Natureza, estreitamente ligada, mesmo idêntica, ao princípio acima mencionado, concernente ao estado da alma após a morte, uma lei equivalente em todos os mundos, em todos os estados possíveis, no mundo material e no mundo espiritual, visível e invisível, a saber:

    “O que se assemelha tende a se reunir. Tudo o que é idêntico se atrai reciprocamente, se não existirem obstáculos que se oponham a sua união.”

    Toda a doutrina sobre o estado da alma após a morte é baseada neste simples princípio. Tudo quanto chamamos ordinariamente: julgamento prévio, compensação, felicidade suprema, danação, pode ser explicado desta maneira: “Conforme semeaste o bem em ti mesmo, nos outros e fora de ti, pertencerás à sociedade dos que, como tu, semearam o bem em si mesmos e fora de si; gozarás da amizade daqueles com os quais te assemelhaste em sua maneira de semear o bem.”

    Cada alma separada de seu corpo, livre das cadeias de matéria, aparece a si mesma tal qual é na realidade. Todas as ilusões, todas as seduções que a impedem de se reconhecer e de ver suas forças, suas fraquezas e seus defeitos desaparecerão. Experimentará uma tendência irresistível para se dirigir às almas que se lhe assemelham e afastar-se das que lhe são desiguais. Seu próprio peso interior, como obedecendo à lei da gravitação, a atrairá para abismos sem fundo (pelo menos é assim que lhe parecerá); ou, então, conforme o grau de sua pureza, ela se precipitará nos ares, como uma fagulha levada por sua leveza, e passará rapidamente pelas regiões luminosas, fluídicas e etéreas.

    A alma se dá a si mesma um peso que lhe é próprio, por seu sentido interior; seu estado de perfeição a impele para frente, para trás ou para o lado; seu próprio caráter, moral ou religioso, lhe inspira certas tendências particulares. O bom se elevará para os bons; a necessidade que sente do bem o atrairá para eles. O mau é forçosamente impelido para os maus. A queda precipitada das almas grosseiras, imorais e irreligiosas para as almas que se lhes assemelham, será também tão rápida e inevitável quanto a queda de uma bigorna num abismo, quando nada a detém.

    Por ora é bastante.

    João Gaspar Lavater

    Zurique, 1o de agosto de 1798

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  14. Armando, novamente obrigado. A carta de Lavater é famosa, e enriquece sim qualquer estudo sobre os primórdios do Espiritismo. Grande abraço.
    h.

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  15. Sr Humberto,gostaria tanto de receber uma carta psicografada de algum ente meu querido q partiu.

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    1. Cara Dora. Infelizmente não tenho experiência ou mesmo envolvimento com a área dos fenômenos. Meu trabalho é muito limitado a escrever sobre os livros que li.

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