quarta-feira, 21 de março de 2012

Refletindo a alma: crítica literária


A psicologia espírita ou a psicologia no Espiritismo é tema capital para os adeptos da doutrina. Primeiramente porque a sua formulação objetiva o autoconhecimento em vistas ao progresso espiritual, prova disto é a tendência marcadamente psicológica dos grandes colaboradores da revelação espírita como os espíritos de Agostinho, Pascal, Rousseau, Lamennais e Fénelon, para não citar o próprio Jesus e o enfoque psicoterapêutico de sua mensagem. Outro motivo não menos relevante para nos atermos à psicologia é o fato de ela absorver uma parte enorme do que hoje se considera paranormal ou psíquico, no sentido de lidar com o desconhecido.
E nada mais apropriado do que recorrer a Joanna de Ângelis no que respeita à psicologia espírita.
Por estas razões o Núcleo de Estudos Psicológicos Joanna de Ângelis reuniu esta impressionante coletânea de ensaios e artigos de psiquiatras e psicólogos acerca da psicologia espírita segundo a autora espiritual. A obra vem preencher uma lacuna constrangedora nos estudos sobre Espiritismo, que há décadas permanecem sem um digno tratamento do valor científico e terapêutico da obra psicológica de Joanna. Nosso próprio artigo Psicologia: a ciência da alma, havia manifestado indignação com este atraso. Agora que nos certificamos da alta qualidade desta obra somos forçados a rever aquele ponto de vista.
A impressão geral sobre o trabalho é nada menos que excepcional. Cada artigo foi cuidadosamente direcionado para as mãos de um especialista sobre o assunto, de modo que o livro cobre uma gama bastante ampla de temas, incluindo: uma apreciação do valor científico da psicologia de Joanna; a evolução da psicologia (Freud, Jung, humanista e transpessoal) à luz do Espiritismo; uma compreensão da psicologia e do Espiritismo como ferramentas de autoconhecimento. Cada capítulo termina com perguntas dirigidas à Joanna de Ângelis a respeito dos tópicos tratados pelos articulistas.
Cláudio e Iris Sinoti, Gerardo Campana, Marlon Reikdal e Gelson Roberto se revelam competentes arquitetos das tão necessárias pontes entre a linguagem popular de Joanna e a terminologia técnica do mundo acadêmico, ao passo que a Cézar Said coube a apresentação da biografia e dos parâmetros da psicologia de Joanna, tarefa executada com tanto brilhantismo que surpreende até os veteranos da obra psicológica da autora.
Todos os textos são competentes em afastar as dúvidas e incertezas quanto à pertinência do trabalho de Joanna para a psicologia em geral, detalhe que muitas vezes escapa aos que não possuam suficiente familiaridade com o estilo e propósitos de Jung. Este, por suas incursões longas em desmembramentos antiacadêmicos de suas teorias, não está menos sujeito a críticas partidas do desmerecimento quanto às suas especulações sobre sonhos, símbolos e de intuições sutis, incapazes de serem traduzidas para a conceituação racional. A consequência deste particular é exigir do leitor um esforço de abstração inusitado, mas que pode ser auxiliado por símbolos, metáforas e exemplos práticos que elaborem para a imaginação um símile compreensível do conhecimento intuitivo que se quer transmitir. Como Joanna se concentra sobre esta parte da psicologia junguiana, é mais que natural que tenha se tornado “por tabela” alvo das críticas comumente dirigidas a estes seus elementos supostamente menos rigorosos.
É claro, a posição que seria razoável segundo algumas filosofias de tendência mais racionalista não é aplicável ao Espiritismo, cuja essência filosófica atribui imensa importância ao desenvolvimento sentimental, intuitivo e místico. Com uma cosmologia transcendente, e alegando camadas de consciência do espírito que podem ser esquecidas temporariamente ao longo da encarnação, o Espiritismo não apenas admite, mas assenta inteiramente sobre a teoria do inconsciente. Também é peculiar ao Espiritismo a inferência de que o sono e estados de transe (hipnose, sonambulismo, transe mediúnico, meditação, etc.) captam elementos do inconsciente e o representam em símbolos. Desta forma o Espiritismo está visceralmente associado à parte da psicanálise que lida precisamente com os elementos menos passíveis de conceituação, ao contrário dos complexos e outros termos, aliás, controversos, que geralmente se considera como a parte mais nobre e sóbria desta ciência.
Sem referir explicitamente esta abordagem, os autores de Refletindo a Alma tocam diretamente o problema da ignorância humana em face da grandeza do patrimônio espiritual, lembrando-nos da necessidade de uma psicologia que lide tanto com o desconhecido quanto com os elementos que já adquiriram cidadania entre os saberes.
Antes de terminar é imprescindível ressaltar o domínio profissional e a maturidade, indubitavelmente sinal de experiências acumuladas, que os autores apresentam no trato das questões melindrosas da psicologia espiritualista. Ideias fundamentais do pensamento de Jung e Joanna, que eu pessoalmente julgava compreender, me foram apresentados sob nova e mais profunda luz. Outros que em geral não se conhece, são expostos e relacionados com segurança, de modo que o leitor se sente sair substancialmente mais erudito após a leitura.
Aos autores e idealizadores do livro deixamos registrada a mais profunda gratidão pelo amparo educativo e terapêutico que nos ofertaram.